Entrevista à Alagamares

23:48 Filipe de Fiuza 0 Comments

Entrevista pela ocasião do 1º Encontro Literário de Sintra promovido e organizado pela Associação Cultural Alagamares:

O Filipe assume que se descobriu poeta em Sintra.Como define o que é para si ser poeta?

Ser poeta é ser mensageiro da verdade do universo transformando a Luz em expressão humana. A nossa linguagem limita-nos na revelação de qualquer coisa incomensurável e estridente que é essa Luz, essa verdade que nos é e envolve. Ser poeta é transcender o verbo e ou a razão, é um cumprir de missão divina.

Fale-nos um pouco da sua obra e projectos

Comecei a escrever seriamente aos dezoito anos, o objectivo mínimo foi um verso por dia. Beliula - Versus Diarium nasce assim. Cada dia da minha vida será resumido por um verso que ouso revelar.

Entretanto, tenho terminado desde há um ano e meio outro volume de versus diarium e encontro-me a escrever o terceiro.

Porém, outras obras estão a ser escritas: estou a meio de uma obra onde a composição poética anda em volta do Diabo, do Mal, da sociedade e de todos nós. Tenho a abertura de dois livros, um sobre Deus e outro com explorações solares. O Amor também é já tema. Avançado está também um livro de aforismos mais ou menos poéticos, mais ou menos filosóficos, conselhos de poeta.

Desde há alguns anos que escrevo também prosa poética, pequenos textos, divagações, delírios, verdades, concomitâncias.

Posso ainda avançar que estou a iniciar a tradução da obra de um poeta asiático desconhecido no ocidente e uma teoria a que dei o nome de «Teoria Poética do Universo».

É urgente continuar.

Acha que Portugal é um país de poetas?

Sim, Portugal é um país de poemas e poetas. Portugal é um poema que vem sendo escrito desde há novecentos anos por diferentes tipos de poetas: heróicos, génios, populares, boémios, anónimos, cada um acrescenta um ponto, uma palavra, um significado.

Que poetas portugueses ou estrangeiros o marcaram mais até hoje?

Eu não sou muito de referências, procuro manter-me suficientemente desancorado, contudo há um poeta que amo especialmente: Isidore Ducasse, ou, Conde de Lautreámont. Morreu aos 24 anos em Paris. Deixou-nos Os Cantos de Maldoror, uma obra-prima da literatura universal. Fernando Pessoa e as suas geniais mundividências influenciou-me nos primeiros anos. Conheci Rainer Maria Rilke pela leitura da obra Elegias de Duíno, um dia quando, ao passar a biblioteca pública itenerante pela rua dos lírios em Mem Martins, pude fazer o empréstimo do livro. A partir daí Rilke entrou no meu coração para nunca mais sair. Holderlin chegou mais tarde. Porque não gosto de apegar-me muito às coisas, às pessoas e à vida, continuo sempre na busca incessante do novo. Entrecruzar-me-ei com mais alguns…

Acha que o poeta é um fingidor ou é um ser mais além?

Mais do que um fingidor, o poeta é um criador, um perscrutador cósmico, um ser que sente. É claro que pode criar expressões de fingimento, mas é redudor afirmar apenas que finge. O que é um ser mais além? É alguém louco? É alguém livre de limites ilusórios? Desfiltrado? Um ser que vislumbra em cada gota de vida o universo em movimento?

Acha que o panorama editorial português estimula o aparecimento de novos poetas?

Hoje em dia é muito fácil editar um livro, mas a dificuldade do reconhecimento da obra de um autor, seja poeta ou escritor, que acrescente algo de novo, manter-se-á sempre. Geralmente, os verdadeiros poetas sabem que as suas obras serão reconhecidas postumamente. Andamos sempre em contra ciclo porque é preciso morrer para voltar a nascer.

António Gancho, que conheceu, foi um poeta num exílio sintrense,por obrigação de saúde e tormenta de espírito.Há uma lucidez na poesia?

Digam o que disserem, a genialidade é uma forma de loucura. A loucura é, nalguns casos, um elevado grau de lucidez, é por isso que muitos poetas foram considerados loucos, porque disseram e escreveram aquilo que mais ninguém ousou ou conseguiu pensar ou mesmo sonhar. António Gancho teve tempo demais para não viver, espero que a sua penitência seja um dia consagrada.

Qual deveria ser o papel de associações como a Alagamares na promoção dos valores literários?

A Alagamares, e outras associações do género, porque são entidades desprovidas de carga institucional, podem oferecer algo diferente aos cidadãos devendo mobilizá-los para a cultura literária através de eventos como o Encontro Literário de Sintra. Há muito trabalho a fazer e estou certo de que a cultura deve ser algo mais presente na vida de cada pessoa. A cultura é para descobrir, viver, sentir, construir, criar e imaginar. Algumas ideias seriam promover o cross-booking nos cafés mais emblemáticos das freguesias, organizar ciclos de encontros temáticos em volta das artes sem excluir nenhuma, convidar os artistas, os autores para aparecerem nas ruas, para falarem e motivarem os concidadãos e os turistas a investir mais e mais no valor cultural do concelho e da vila de Sintra, património da humanidade, e por último lançar o saráu das artes, evento onde sem formalismos, todos nós pudessemos conviver e compartilhar o que de melhor há no ser humano: a criatividade.

Parabéns à Alagamares pelo exemplo e pela força de acreditar que a cultura jamais morrerá.

Cortesia de Alagamares