A poesia nunca existiu
A Poesia Nunca Existiu
Esta noite,
A poesia mente se lhe pedirmos algo
Não sou quem ledes
Nem trago um mapa de loucura que leve
À imagem. A poesia é impossível
Ou um conhecido impossível de encontrar
se tivermos uma fotografia na carteira
Nem penteada nem sorridente em deveras
palavras mais perfeitas que outras ditas,
situações que não cabe no belo escrever:
de mortes de dignidade com sal calibrado de dia;
Insanidade que se esconde em armários
De fatos conscientes arfando vivaria
E não se conhece deus que a comente
Poesia doente como todas
Breton com angústias transparentes
aladas de papel e azul esquecidas
numa tela puxando-me de si
que não estou senão vivo na pele,
Um carro de duas portas de saída para dentro
Implodindo élans como roldanas de árvores sem ovos
nem casca; volvem-nas êmbolos de tempestade
Quentes na nuca da vontade sem o brio
Ainda deslizas, esfera?!
Nem musa de gladílios em punho
Nem leituras que possam recordar o poema reminescente...
Meu amigo,
Desta vez falta o composto que gozes:
A criatura tem a corda evidente no pescoço
Tebas cai e a Grécia é Romana sem couros de armaduras
Ou ouros de filósofos e templos com bases construídas no ar!
Dentes e soldados convencidos; Cítaras d'alabastro!
Nem a morte se exprime nas vidas daqui
Nem há delirar corrente
Ou mais que algo mais que não se sabe se é
Mas há frustração que baste
A consciência conquista a falta de produto.
A poesia torna-se crível como um homem que fala constantemente
E morreu, por nunca ter existido
Na língua óbvia do cansaço como uma adivinha
Ponto final
Nuno de Jesus
Sintra, 1998
Fotografia de Wahid Nour eldin