O açúcar como salvação das almas
O açúcar como
salvação das almas
Estou mais
gordo, mas a gordura é temporária. Olho o Sol que me aquece, mas tanto o meu
olhar como esse calor, tal como inclusive o próprio Sol, são temporários. Os
telejornais vendem lixo, os outdoors poluem a paisagem, mas os pássaros cantam
como sempre, e eu como sempre não consigo parar de pensar. O Marquês da Sade
está morto e morta está a democracia – uma demo seja do que for é sempre também
temporária – a democracia está demodé. Entrei no outro dia numa igreja e apenas
vi vazio, as religiões estão a caminho do vazio, não é preciso encher os
espíritos com latim e cânticos e música de órgão para se saber que Deus existe,
se Deus quisesse que nós não soubessemos da sua existência não criaria o
Universo das Almas. Afinal, quando queremos ter flores no jardim não temos de
deitar sementes na terra, regar com água e deixar o Sol, que ainda olho e me
aquece, aqueça também e faça gerar a sementinha? Tanto esforço para um tempo
mais tarde, depois de nos regozijarmos com o esplendor das cores e da fragrância
das flores, elas murcharam e morrerem. Talvez Deus também queira ter esse quimérico
prazer de nos ver construir seus sonhos em nossas ideias, que todavia julgamos
ser nossos, e no fim de tanto esforço, de tanta guerra sofrida e dinheiro
esbanjado tudo cai e é lavado como castelo de areia em praia deserta. Fiz
tantos castelos de areia e já me esqueci de todos eles, sei que as ondas do mar
lavaram, como o tempo lava e leva tantos sonhos e tantos Deuses em nós. Agora
que tenho a certeza que a democracia está morta e as religiões vazias, o que
será do mundo? Espero que olhem para mim com alguma esperança, não porque nos
últimos tempos a minha única vitória foi ganhar peso – sou guloso por bolachas,
chocolates, gelados – mas sim porque ser guloso é ser vítima da droga desta
nossa nova era: o açúcar. Como não bebo nem fumo, drogo-me com açúcar, vou
morrer de over-dose de açúcar, só assim consigo suportar esta grande perda que
é o falecimento da democracia, só assim aguento o vazio estrondoso das
religiões, que todos os dias os telejornais, as televisões, as rádios, os
jornais, a Internet, entre outros, continuam a vender. Tu que lês estas
palavras, pára e confronta o teu espírito nesta nossa pobre existência
rotineira neste nosso soturno quotidiano dos futebóis, dos programas
televisivos do liga-e-ganha, dos enredos e querelas familiares, dos enlevos
amorosos, das mensagens dos chats, dos coitos virtuais, pára e confronta o teu
magnânine e sibilante espírito: quanto pesas tu? Quanto pesa a democracia na
tua vida? Quanto pesa a religião nas tuas orações? Observa quão gorda está a
tua ignorância. Depois de me confrontar, depois de te confrontares, chupa um
rebuçado e liga a tevê ou faz login no Facebook. Podes ainda jogar Solitário do
teu telefone inteligente, pois se não consegues fingir que o tempo passa, deves
acender uma vela a cada noite e preparar-te devagar para morrer. Quanto mais
castelos de areia faço mas tenho a certeza de que Deus existe. Também, quanto
mais mundo conheço, mais acredito que o grande erro da humanidade é querer
governar o fogo quando ainda não consegue governar a terra.
Filipe de
Fiúza
16.03.2018
Sintra
Texto inédito para o 5º Encontro TRIPLOV www.triplov.com