A escola
Eis as crianças vermelhasNa sua hedionda prisão;
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.
Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora,
Dos corpos feitos de arminho
Das almas feitas d'aurora
Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las,
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrelas.
Contemplam de quando em quando,
E com que inveja, senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor
Oh, que existência dourada
Lá de cima, no azul, na glória,
Sem cartilha, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!
E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos
E as cifras tristes dão ais.
Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix com as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!
Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é - Ontem
E o do discípulo - Amanhã!
Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o passado que ensina
O b a bá ao futuro!
Entregar a um tarimbeiro
Um espírito infantil!
Fazer o calvo Janeiro
Preceptor do loiro Abril!
Barbaridade irrisória
Estúpido despotismo!
Meter uma palmatória
Nas mãos dum anacronismo!
A palmatória, o açoite,
A estupidez decretada:
A lei incumbindo a Noite
Da educação da Alvorada!
Gravai na vossa lembrança
E meditai com horror,
Que o homem sai da criança
Como o fruto sai da flor.
Da pequenina semente
Que a escola régia destrói
Pode fazer-se igualmente
Ou o assassino ou o herói.
Desta escola a uma prisão
Vai um caminho agoureiro:
A escola produz o grão
De que a enxovia é o celeiro.
Deixem ver o sol doirado
À infância, eis o que eu vos peço,
Esta escola é um atentado
Um roubo feito ao progresso.
Vamos, arrancai a infância
Da lama deste paúl;
Rasgai no muro ignorância
Trezentas portas de azul!
O professor asinino
Segundo entre nós ele é
Dum anjo extrai um cretino,
Dum cretino um chimpanzé.
Empunhando as rijas férulas,
Vós esmagais e partis,
As crianças - essas pérolas -
Na escola - esse almofariz.
Isto escolas!... que indecência!
Escolas esta farsada!
São açouges de inocência!
São talhos d'anjos, mais nada.
Guerra Junqueiro