Deus e a Ciência

21:53 Filipe de Fiuza 0 Comments


Sobre a terra dos primeiros tempos o sol brilha desde há milhões de anos.

A perder de vista, apenas distinguimos imensos desertos de lava em fusão que vomitam continuamente colunas de vapores de gás com a altura de vários quilómetros. Pouco a pouco, essas nuvens obscuras acumulam-se para formarem a primeira atmosfera da Terra. Gás carbónico, amoníaco, óxido de carbono, azoto e hidrogénio: essa mistura opaca, mortal, esmaga então o imenso horizonte ainda vazio.

Passam milhões de anos. Lentamente o calor começa a diminuir. A lava forma agora uma pasta ainda morna mas sobre a qual se poderia já caminhar. O primeiro continente acaba de nascer. É então que um acontecimento maior vai romper a monotonia dessa idade recuada: as imensas nuvens que se movem no céu condensam-se e a primeira chuva do mundo começa a cair. Ela vai manter-se durante séculos. A água invade quase todo o planeta, abatendo-se sobre as depressões, até formar o oceano primitivo. Durante centenas de milhares de anos, vagas gigantes vêm quebrar-se na rocha negra.

A Terra, o céu e as águas estão ainda vazios. Contudo, as moléculas primitivas são constatemente mexidas pelas tempestades monstruosas que se desencadeiam, incansavelmente partidas pela formidável radiação ultravioleta do Sol. É nesse estádio que surge o que, retrospectivamente, se assemelha a um milagre: no âmago desse caos, agregam-se moléculas, combinam-se, para formarem progressivamente estruturas estáveis, reflexo de uma ordem. Uma vintena de ácidos aminados existem agora nos oceanos: são os primeiros tijolos de matéria viva.

Hoje encontramos em cada um de nós os longínquos descendentes desses primeiros «habitantes» da Terra.

Deste modo, depois de uma longa e misteriosa ascensão no sentido da complexidade, a primeira célula viva emerge finalmente: a história da consciência vai poder começar.

Mas quanto permanece perturbadora esta questão levantada um dia por um físico: «Como pode um fluxo de energia que se escoa sem finalidade expandir a vida e a consciência no mundo?»


in Deus e a Ciência, Jean Guitton.

fotografia de Oleg Lobachev