Como é que os poetas ganham a vida?
É uma incontornável questão, saber como é que os poetas do passado sobreviveram e aqueles poetas do nosso tempo sobrevivem neste mundo que nada tem de poético? Como é que espíritos tão sublimes conseguiram encontrar no seu dia-à-dia forma de sobreviver para pelo menos continuar a escrever e a bramar ao divino suas preces, dores e revoltas?
Uma passagem breve por alguns nomes da poesia mundial...
Chaucer foi funcionário de obras do Rei enquanto Cowley e Gay foram secretários profissionais. Shakespeare foi um homem do teatro. Donne e Swift foram directores eclesiásticos da igreja e Herrick foi um vigário. O Conde de Rochester foi um controlador e Gray professor de história. Aphra Behn foi um espião e Chatterton foi jornalista. Robert Burns foi um fazendeiro e Melville marinheiro e caixeiro. Stephen Crane foi correspondente de guerra e Edwin A. Robinson trabalhou na alfândega. Durante 11 anos AE Housman foi funcionário num escritório de patentes antes de se tornar professor de latim. James Dickey trabalhou para McCann-Erickson, uma agência de publicidade. Marianne Moore foi assistente no Hudson Park Branch da Biblioteca Pública de Nova York. Philip Larkin e Jorge Luis Borges também foram bibliotecários. Robert Frost foi um criador de aves. Hart Crane embalou doces no armazém de seu pai, trabalhou numa gráfica, escreveu textos publicitários, foi rebitador e finalmente conseguiu gerir um salão de chá. William Carlos Williams foi médico pediatra, T.S. Eliot um banqueiro e Wallace Stevens vice-presidente de uma companhia de seguros e especialista em mercados financeiros. Francis Thompson chumbou os exames de admissão a medicina cinco vezes, teve insucesso como vendedor de livros e vendedor de sapatos até que se alistou no exército mas foi considerado inapto. John Clare foi lavrador, trabalhou com um forno de cal, conviveu com ciganos, foi pai de nove filhos e tornou-se vagabundo. Alain Bosquet foi professor, jornalista e soldado na Segunda Guerra Mundial. André Breton foi médico e coleccionador. Carl Michael Bellman foi compositor. Charles Baudelaire foi ensaista, tradutor e crítico de arte enquanto Dante Alighieri foi filósofo, político e teórico literário. Rainer Maria Rilke foi secretário do escultor Auguste Rodin.
A sobrevivência dos poetas portugueses: de D. Dinis a Herberto Hélder...
D. Dinis foi rei de Portugal. Camões foi cavaleiro fidalgo. Antero de Quental foi tipógrafo e político enquanto Barbosa do Bocage foi oficial da marinha, redactor e tradutor. Delfim Guimarães trabalhou na área comercial onde desempenhou funções de contabilista e de administrador de diversas empresas tendo sido fundador da editora «Guimarães, Libânio e C.ª». António Botto foi funcionário público e livreiro. Fernando Pessoa trabalhou em várias firmas comerciais de Lisboa como correspondente de língua inglesa e francesa, foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário. Gil Vicente foi responsável pela organização dos eventos palacianos e dramaturgo enquanto Irene Lisboa foi professora e pedagoga. Jorge de Sena foi engenheiro civil, professor universitário e tradutor. Natália Correia foi deputada à Assembleia da República, dramaturga, romancista, ensaísta, tradutora, jornalista, guionista e editora. Guerra Junqueiro trabalhou como alto funcionário administrativo e foi político, deputado, jornalista. José Gomes Ferreira foi diplomata, compositor e jornalista. Teixeira de Pascoães foi advogado. Herberto Hélder trabalhou como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio.
A sobrevivência de alguns dos novos poetas portugueses é assegurada com profissões tão banais como engenheiro, gráfico, tradutor, jornalista, livreiro, filósofo, operador de call-center, agente cultural, enfermeiro, médico, informático, webdesigner, professor, agricultor, camionista, carteiro, desempregado, enfim...
Filipe de Fiúza