Beijo de pedra incandescente
Há muito, muito, muito tempo, quando Sintra não era Sintra, nós nascemos na
névoa de um céu cor de pérola, no circuito prismático das constelações sem
Norte, nascemos assim no segredo poético do Sol. Há muito, muito, muito tempo,
quando nós não eramos nós e Sintra era montanha de sonho, aconteceu o beijo
magno das grandes massas. Desse beijo de pedra incandescente, alimentado pela
coragem divina e a força demoníaca, é fundada vagarosamente a base de um novo
templo. Nasceu assim um Amor Cósmico na órbita de irmãos.
O tempo passou e dissipada a névoa primordial, os
nossos olhos entreabriram-se para um mundo irreconhecível. Fomos acordados na
água dos cristais terrenos por um eco de som infinito. Ainda em fogo, o solo
acalmava com as primeiras chuvas. Tudo era agora ígneo como a beleza virgem do
mistério. Ligados umbilicalmente à estrutura do núcleo, o grande impacto
fez-nos viver a experiência de um bem perdido, de um passado transformado em
presente sem destino.
Na sequência do movimento das orbes, caminhámos de
geração em geração, multiplicando a esperança de regressar à nossa origem.
Inaugurámos até o pensamento para facilitar o acesso às imagens do lugar
originário.
Por fim, decorrida meia-eternidade, encontrámos
através de uma imagem colectiva o único vestígio reconhecível da nossa origem:
Sintra. Aqui sentimos o Amor Cósmico, aqui reencontrámos a luz que nos une e
faz ser, é aqui que todos os dias esperamos que a Árvore do Espírito cresça e
nos leve de volta a casa. Fizemos de Sintra um templo transitório de esperança
e paz e na Montanha da Lua celebramos o que outrora éramos, o que há muito,
muito, muito, muito tempo, quando Sintra não era Sintra, conseguiamos ler no
coração do Universo: vive desejo atma.
Sintra é o último vestígio cósmico do nosso mundo
sagrado.
Filipe de Fiúza
2012-01-27
(Inédito publicado em www.selene-culturasdesintra.com)
*texto inspirado nas Monadologias à Lua de Rodrigo Sobral da
Cunha, na teoria do grande impacto e em Das Origens Catacósmicas