Um Poeta em Nova Iorque
O original que o poeta deixara um mês antes no escritório de Bergamín, em Madrid, foi redescoberto várias décadas depois e acaba de ser reeditado.
Não haverá muitos “pequenos” livros com tanta história atrás de si. Falamos de Um Poeta em Nova Iorque, o livro de poesia que Federico García Lorca (1898-1936) escreveu quando estudou na Universidade de Columbia, na Big Apple (1929-30), mas que só seria publicado já postumamente, quase em simultâneo nos Estados Unidos e no México, pelo seu amigo editor José “Pepe” Bergamín.
Desde a data da edição no final dos anos 30 que se discute se os 32 poemas de Um Poeta em Nova Iorque correspondiam ao projecto original de Lorca. Parece que não. Mas agora é possível perceber porquê. É que o original que o poeta assassinado pelos franquistas logo no início da Guerra Civil, em Agosto de 1936, deixara um mês antes no escritório de Bergamín, em Madrid, foi redescoberto várias décadas depois. E acaba de ser reeditado, esta semana, em Espanha, pela Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, supostamente mais de acordo com a proposta original. Coincidentemente, hoje mesmo é inaugurada, na Biblioteca Pública de Nova Iorque, uma exposição sobre o livro e as histórias que ele encerra, Back Tomorrow: A Poet in New York. Federico García Lorca. Vai até 21 de Julho e reúne, para além do texto original, poemas dispersos, desenhos, cartas e documentos.
Vamos à história: no dia 13 de Julho de 1936, Lorca deixou no escritório de Bergamín, que na altura estava fora, o original de Um Poeta em Nova Iorque, acompanhado por esta nota: “Vim aqui para te ver, e devo voltar amanhã”. Não voltou. Seguindo a descrição de Andrew A. Anderson, um hispanista britânico, especialista na obra de Lorca e responsável pela nova edição da Galaxia Gutenberg, o texto original continha poemas manuscritos e outros dactilografados, além de desenhos, distribuídos por 124 páginas. A ideia do autor seria discutir com o editor a organização do livro, e Anderson admite que alguns dos poemas pudessem ficar de fora: “Lorca queria incluir a grande maioria, mas não todos. Aos sobrantes, chamar-lhes-ia ‘órfãos’”, nota o investigador, citado pelo El País.
Bergamín pensou inicialmente em editar o livro em Paris. Acabou por fazê-lo em Nova Iorque e no México, país onde se exilou fugindo do regime de Franco — coube-lhe, por exemplo, como organizador do Congresso Internacional de Escritores em Defesa da Cultura de 1937, encomendar Guernica a Picasso.
Depois de editar Um Poeta em Nova Iorque, Bergamín ofereceu o original a um amigo no México, Jesús de Ussía. No final dos anos 1990, estava na posse da actriz espanhola Manola Saavedra que, então se apercebeu do valor comercial do caderno e decidiu levá-lo a leilão na Christie’s. Os descendentes de Lorca, através da fundação com o nome do poeta, contestaram o direito da actriz ao manuscrito. O Tribunal de Londres deu razão a Manola, e a fundação acabou por adquirir o documento em leilão, em 2003, por cerca de 200 mil euros.
Dez anos depois, é sobre esse material que a nova edição chega às livrarias, e que se organiza a exposição de Nova Iorque. Mas continuará por se saber qual era a ideia de Lorca para o seu livro.